quinta-feira, 6 de março de 2014

O SONÂMBULO AMADOR




Da lista de obras que compartilhei aqui no blog no final do ano passado, essa é a primeira que recebe um tick. O Sonâmbulo Amador, romance escrito por José Luiz Passos, chega com a credencial de ser o ganhador do prêmio literário Portugal Telecom do ano passado. Não li os outros livros finalistas, mas me parece que a escolha foi justa. É um bom livro; nada extraordinário, mas é um bom livro.

O livro nos mostra a vida de Jurandir, funcionário de uma fábrica de tecidos, que, tendo a missão de ir a Recife com o propósito de tratar de um caso jurídico envolvendo a empresa, acaba internado numa clínica psiquiátrica. Jurandir é um sujeito discreto, reservado, meio ranzinza, e tem considerações bem particulares a respeito dos seus sonhos; ele gosta de lembrá-los, contá-los às pessoas e de transcrevê-los. Incentivado pelo psiquiatra, ele resolve escrever suas memórias e relembra os momentos que passou ao lado da mulher, da amante, do filho e do amigo de infância.

A narração é uma constante ida e vinda. Vai ao passado distante, ao recente e volta ao presente; e, no meio de tudo isso, encontra-se o relato dos sonhos; tudo junto e misturado. Com efeito, não se pode estar desatento ao ler a obra, sob o risco de se perder na passagem de um relato ao outro, ou de perder pistas que o autor vai deixando no caminho, mas também não é necessário um esforço sobre-humano de atenção para acompanhar a história. O autor foi bastante competente no uso dos diferentes tempos para contar as memórias de Jurandir e manteve total domínio da narrativa do início ao fim do livro, não deixando, assim, o leitor escapar.

Mas claro que essa opção de misturar diferentes tempos traz outro risco além daquele de levar o leitor a se perder durante a leitura. Outro risco é de entendiá-lo com a repetição de trechos da história ao longo da narração, uma vez que alguns fatos têm que ser relembrados constantemente, quando se vai ao passado ou se retoma o fio da meada no presente. Essa repetição ocorre em O Sonâmbulo Amador, mas em pequena escala; nada grave.

O livro é bem escrito, a leitura é prazerosa; os personagens são interessantes e bem construídos. Deparamos, ao longo do texto, com alguns pensamentos ricos, como, por exemplo, quando Jurandir fala das lembranças: "O corpo parece que traz, na memória dele, as chaves para um estalo qualquer contra essa lei mais constante e diária, que é a mortificação. O mais impressionante é que isso não pode ser calculado nem resgatado por mera vontade. Conta mais, nestes casos, a presença de alguém que nos ajude a soprar, casualmente, o braseiro inconsciente da esperança." Por tudo isso, posso dizer que O Sonâmbulo Amador se constituiu numa boa experiência de leitura.

E os problemas? Encontrei alguns no livro. Um deles é que o autor cria muita expectativa em torno de algumas situações, mas essas, ao final, não se resolvem com a intensidade esperada. (Se alguém quiser discutir esses pontos, podemos fazer nos comentários, que é para não adiantar nada para ninguém). Por conta disso, achei que, na sua última parte, o livro perdeu força e desembocou num final morno.

Outro problema é que algumas passagens da trama, decisões e reações dos personagens ficaram sem sentido para mim. Sei que o didatismo é ruim; enrola a história e entendia a leitura; além disso, tira do leitor a chance de pensar e tentar, por si só, achar explicações para os fatos; mas achei que ele poderia ter explicado melhor alguns trechos. Inclusive os tais dos sonhos, que não tiveram um significado claro para mim. Queria entender o significado que vai além da interpretação de que se trata dos conflitos reprimidos do protagonista. Talvez eu precise fazer uma segunda leitura ainda mais detida para tentar preencher essas lacunas. Ou talvez esses buracos sejam propositais, uma vez que o personagem, em muitas ocasiões, não se lembra bem dos acontecimentos. De qualquer maneira, o autor nos entrega pouco, de modo que é necessário buscar com atenção as peças que estão soltas e montar o quebra-cabeça.

É um livro desafiador, que nos obriga a pensar para desvendar o protagonista bem como entender as intenções do autor. A meu ver,  Jurandir não sabia lidar com suas frustrações pessoais e, por isso, comete um ato insano que o leva ao sanatório. Reproduzir no papel suas memórias aparece como solução para lhe garantir certo equilíbrio. 

2 comentários:

  1. Respostas
    1. E é. Mas exige atenção do leitor, pois, além do vai e vem temporal da narrativa, o autor guarda bastantes informações, que temos que ficar juntando. E, mesmo assim, ao final ainda fica a dúvida se é mesmo aquilo que ele queria dizer. É uma boa leitura. Vale a pena.

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