quinta-feira, 26 de julho de 2012

QUINTA DO QUINTANA



Como já disse anteriormente nunca fui lá muito fã de leitura, prazer que descobri depois dos vinte e alguma coisa, não sei ao certo. De prazer passou à necessidade. E quando nos tornamos dependente de algo, e esse algo nos é tirado, crises de abstinência nos acometem. Era o que estava passando nesse último ano, quando não consegui ler um romance sequer (meu gênero de literatura preferido), por absoluta falta de tempo. Foi, nesse período, que chegou meu segundo filho, e duas crianças, sendo uma delas bebê, demandam muita atenção.


Agora, com o mais novo maiorzinho, foi possível organizar melhor meus horários e decidi voltar a ler algo. Romance seria mais complicado por exigir período maior de leitura contínua, e meus horários seriam curtos: alguns minutos antes de dormir ou quando acordasse mais cedo, voluntariamente ou por força de algum choro mais insistente. Não queria começar, parar no meio da história e continuar sabe-se lá quando.

Nessas circunstâncias, decidi ler contos e poemas. Contos porque, geralmente, as histórias são curtas. É possível acabá-las numa sentada, o que não geraria ansiedade e frustração. Poemas, por serem menores ainda, serviriam-me bem para os momentos antes de dormir. Sobre esse último gênero, gostaria de fazer uma observação. Mesmo no período da minha vida que não gostava de ler, interessava-me por poemas. Era uma leitura que me agradava bastante, não só por ser curta (aspecto muito importante à época), mas também por me sensibilizar. Não sei, sentia-me envolvido.

Porém, mesmo gostando de poemas, lia poucos em geral. Até bem pouco tempo, nunca tinha aberto sequer um livro desse gênero. É triste, mas tenho que confessar: todos os poemas que tinha lido era por puro acidente. Todos os que eu conhecia foi porque apareceram em: exemplos em gramáticas, provas de concurso, bilhete de namorada, e depois, bilhetes da minha mulher; e, ultimamente, no facebook. Aff!! O negócio estava feio!! Tinha que dar um jeito nisso!!


Então, para atender à minha necessidade de leitura, associada ao pouco tempo disponível para essa prática, e para remediar a situação vexatória descrita no parágrafo anterior, aproveitei a bienal do livro para comprar alguns exemplares de contos e de poemas, além de O Príncipe de Maquiavel, um livro pequeno. 

Pois bem, essa enrolação toda foi para entrar no assunto do texto de hoje: Mario Quintana. Entre os livros que comprei na bienal, um era desse poeta. O eleito foi o de título Mario Quintana de Bolso, Rua dos Cataventos e Outros Poemas. Terminei-o essa semana. Como é bom Mario Quintana!! (lancei mão dessa rima, só para criar o clima. Opa!! Rimei de novo).

O que me surpreende nesse autor é sua capacidade de ser erudito e popular, simples e sofisticado, abstrado e concreto, tudo com a mesma elegância. Ele escreve sobre tudo – amor, vida, morte, amenidades, cotidiano, solidão, saudade, sempre com a mesma desenvoltura. É irônico, sarcástico, singelo, alegre e triste. É praticamente completo. Tenho que repetir: Como é bom Mario Quintana!



Deleitem-se com alguns de seus poemas.


DO ESTILO

Fere de leve a frase... E esquece...Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita



DA OBSERVAÇÃO

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais afável e sutil recreio...



DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis...ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!



DO PRANTO

Não tentes consolar o desgraçado
Que chora amargamente a sorte má.
Se o tirares por fim do seu estado,
Que outra consolação lhe restará?



DAS IDEIAS

Qualquer ideia que te agrade,
Por isso mesmo...é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...



DA AMIZADES ENTRE MULHERES

Dizem-se amigas...Beijam-se...Mas qual!
Haverá quem nisso creia?
Salvo se uma das duas, por sinal,
For muito velha, ou muito feia.



DA FELICIDADE

Quantas vezes a gente, em busca de ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculas procura,
Tendo-os na ponta do nariz!


DA CALÚNIA

Sorri com tranquilidade
Quando alguém te calunia
Quem sabe o que não seria
Se ele dissesse a verdade...


O MORTO

Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!



INVITATION AU VOYAGE

Se cada um de vós, ó vós outros da televisão
- vós que viajais inertes
como defuntos num caixão -
se cada um de vós abrisse um livro de poemas...
faria uma verdadeira viagem...
Num livro de poemas se descobre de tudo, de tudo
                                                                   [mesmo!
- Incluisve o amor e outras novidades



OS DEGRAUS

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os mostros
Não subas aos sótão - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...



O UMBIGO

O teu querido umbiguinho,
Doce ninho do meu beijo
Capital do meu Desejo,
Em suas dobras misteriosas,
Ouço a voz da natureza
Num eco doce e profundo,
Não só o centro de um corpo,
Também o centro do mundo!


POEMINHA SENTIMENTAL

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.


Como bem lembrado pela Érica no comentário, segue:

PRESENÇA
 Para Lara de Lemos
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e resperar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!

4 comentários:

  1. muito bom mesmo, tem um poema dele sobre saudade que acho lindo...

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    1. Oi, amor!
      Creio que seja o Presença, dedicado à Lara Lemos.
      Começa assim:
      É preciso que a saudade desenhe suas linhas perfeitas...
      Se for esse, realmente é muito bonito.
      Bjs

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